sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Eu gosto de você

A minha amiga L., que me faz o favor de acompanhar a minha existência há já umas décadas, não anda muito bem. Fico triste e preocupada por não poder animá-la o quanto gostaria. Já passámos por tanto juntas… Na faculdade, que foi onde nos conhecemos, sempre me surpreendeu o seu desprendimento e a sua coragem. E, depois de saber que ela perseguiu um carteirista que, no autocarro, lhe tinha “fanado” a carteira, conseguindo que ele lha devolvesse, a L. juntou à cumplicidade que há entre nós, a confiança que se sente junto de um guarda-costas! Grande L.!

Conversas, gestos, cheiros - III

A minha avó materna viveu muitos anos numa casa enorme, no centro da localidade, por cima de uma retrosaria. Era tão imensa a casa que eu me deliciava a jogar às escondidas por todos os recantos e pelas suas oito assoalhadas. Tinha também um sótão muito acolhedor, com tês divisões pequeninas e um terraço soalheiro e com uma vista soberba, sobre a avenida. Havia um quarto sem janelas, onde eu dormia, quando lá passava temporadas, que não me agradava muito, porque era mesmo lá ao fundo do corredor e eu sentia-me abandonada, naquela casa cheia de ruídos e já muito antiga. Mas adorava esconder-me no imenso roupeiro, que ocupava uma só divisão e fingir que não ouvia quando me chamavam para tomar as refeições. Quando as minhas tias lá não estavam, deambulava pelos seus quartos e fazia questão de me assomar a todas as janelas, mirando sempre novas coisas, porque a casa dava para três ruas distintas. Quando a minha avó foi morar para uma casa num bairro periférico e para um andar de umas banais quatro assoalhadas, num prédio de muitos pisos, percebi que aquele mundo da minha infância tinha ficado naquela casa de soalho de madeira e divisões de muitas janelas, para várias ruas…

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Citação

“O passado é um imenso pedregal que muitos gostariam de percorrer como se de uma auto-estrada se tratasse, enquanto outros, pacientemente, vão de pedra em pedra e as levantam, porque precisam de saber o que há por baixo delas.”
José Saramago

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Dores nos joelhos

Estávamos no café, a F. e eu, sentadas, a conversar sobre escola, queimando tempo para o comboio. Ela estava de costas para a porta e não viu entrar um mascarado, com uma daquelas máscaras que se enfiam pela cabeça e que são feias a valer. Ele andou pela sala, a chegar-se junto das pessoas, mas, como nós estávamos tão embrenhadas na conversa, ela nunca deu por ele entrar sequer. Eu vi-o aproximar-se e colocar-se junto dela. Sabendo como a minha amiga é assustadiça, ainda a avisei:
- Vais assustar-te…
Ela mostrou surpresa, sorriu-me e olhou para o lado onde estava o mascarado, quase encostado a ela. Quando o encarou, deu um grito, amedrontando também o homem, que abalou, a grande velocidade. Foi uma gargalhada geral.
Quando, finalmente, conseguiu articular, entre risos e fungadelas, confessou:
- Ai, amiga, que susto! Assustei-me tanto que até me doem os joelhos…

Feliz Carnaval!

Esplêndido Carnaval, o que eu passei!
Eu e a F. começámos por visitar a exposição, patente no Museu da Electricidade, “Artistas Portugueses Lá Fora.” É certo que algumas peças me passaram completamente ao lado; quero crer porque sou uma leiga e não sei apreciar TODA a moderna forma de expressão artística. Também é verdade que alguns dos mais sonantes nomes tinham apenas um quadro a representá-los. Todavia, gostei bastante de conhecer alguns dos nossos artistas, através dos seus quadros ou fotografias.
A seguir, assistimos ao concerto “Carnaval dos Músicos”, no CCB. Para além de outras composições, deliciámo-nos com “Le Carnaval des Animaux”, de Saint-Saens, interpretado por músicos excelentes, como Filipe Pinto-Ribeiro ou Tatiana Samouil, entre outros. José Van Dam foi o narrador, que se divertiu tanto ou mais que nós.
Um Carnaval e tanto!

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Neologismos

Tenho uma amiga (quase “irmã",vá) que tem por hábito inventar um vocabulário muito próprio. Não é intencional, mas as várias palavras por ela criadas e que não ouso exemplificar aqui (ela não me perdoaria…), são absolutamente deliciosas! Ela pensa que me divirto apenas e não acha graça nenhuma quando eu as uso também ou as compartilho com outros amigos. Eu não me divirto, deleito-me! Acho fantástica a sua renovação do léxico português, nas mais variadas situações. Não tem a genialidade de Mia Couto, confesso, mas são vocábulos muito musicais, de significados que, por vezes, só ela consegue definir.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Especulações

Aqui pelo burgo, já se especula sobre candidatos às eleições autárquicas. Quando sai alguma notícia nos jornais regionais, comentam-se e ajuízam-se as decisões anunciadas. Têm realmente um carácter absolutamente diferente estas eleições das restantes. Neste escrutínio, não se escolhem símbolos nem candidatos virtuais, apenas acessíveis pelos meios de comunicação social. Pelo contrário, vota-se em pessoas que encontramos ao virar da esquina, em conversas que se têm, em projectos de intenções que nos poderão dizer directamente respeito. Falo, evidentemente, dos concelhos pequenos como o meu. As cidades debatem-se com o mesmo problema das outras eleições: ninguém se conhece e torna-se mais difícil acreditar.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

citação

“O silêncio não é a ausência da fala, é o dizer-se tudo sem nenhuma palavra.” - Luís Sepúlveda

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Conversas, gestos, cheiros - II

Lembro-me muitas vezes, com saudade, da minha infância, quando nos juntávamos todos, lá em casa dos meus avós paternos, em grandes almoçaradas, deliciando-nos com os petiscos da minha avó. Geralmente era no Verão, quando os meus tios e primos, emigrados na Alemanha, passavam cá o mês de férias. Adultos e crianças juntavam-se alegremente à mesa e degustavam a maravilhosa canja de pombo bravo, o javali assado no forno, as inigualáveis migas com entrecosto, como só as minhas avós sabiam fazer. E era uma correria entre o quintal e as escadas do primeiro andar, um brigar constante entre todos os primos, que levava a minha avó a ralhetes e resmunguices, dos quais não fazíamos caso nenhum. E ouviam-se os adultos a rir e a contar histórias na sala e nada fazia prever que tudo se tornaria tão diferente, anos depois…

Carnaval

Vem aí o Carnaval. Se eu gosto do Carnaval? Não! Abomino! Gosto mesmo é dos três dias de interrupção das actividades lectivas, que lhe estão associados.
Ilações a tirar:
- ser professor, actualmente, é quase péssimo;
- estou a ficar mais antiga, porque cada vez gosto menos;
- não me agradam nada as duas conclusões anteriores…

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Ainda meteorologia

Estes dias mais solarengos dão outro ânimo às pessoas. Os jovens e adolescentes lá da minha escola ficam ainda mais jovens e adolescentes (e isso não é muito bom, devo confessar) e o mesmo se passa com os outros. A nós, que já não somos jovens e (felizmente!) nem adolescentes, também acontece ganharmos uns coloridos na cútis, um brilhozinho no olhar. Sei lá, até parece que o cabelo fica mais brilhante! A chatice é que parece que ainda aí vêm umas friagens e uns arrefecimentos nocturnos, perfeitamente dentro da época… Mas que já cheira a Primavera, isso já!

A propósito de mestrados:

Já vários dos meus colegas e amigos investiram na realização de um mestrado. E digo “investiram” porque, para além do enriquecimento curricular e cultural, é caro a valer. Não me estou a ver a fazer um mestrado. Pelo menos não agora, em que as miúdas estão a estudar e canalizo os rendimentos para elas. Já uma segunda licenciatura, em História ou História de Arte, sempre me foi aliciante. Pondero mesmo essa hipótese, com grande carinho, para quando as catraias já não precisarem de mim. Isso é que era! “Mestrado” eu associo sempre a sofrimento. Vejo as pessoas, que estão a fazer mestrado, a sofrer para cumprirem os prazos, a sofrer sem disponibilidade para fazer aquelas tarefas que lhes proporcionariam prazer, na concretização da tese… Na! Para sofrer não é preciso pagar tanto!

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Meteorologia

Devo morar numa terra que se situa debaixo de uma auto-estrada de aves! Quando o tempo é mais tempestuoso, é vê-las às miríades a dirigirem-se para o interior; se está solarengo, voam para o litoral. Não consigo distinguir a espécie; parecem-me gaivotas, mas estamos tão distantes do mar que se me figura inverosímil. É uma contemplação intimidante a associação de todas aquelas aves, na imensidão do céu! Mal comparado, lembra-me o filme do Hitchcock...

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Muito Mestre!

E pronto! O J. L. já defendeu a sua tese. Pelo que sei (e tinha lá uma informadora competente!), fez um brilharete e fez de mim uma amiga muito orgulhosa. Grande J. L.!

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Quase mestre

Amanhã, o meu querido amigo J. L. vai defender a sua tese de mestrado. Não vou poder lá estar, mas estou 100% com ele. O J. L. é dos melhores seres humanos que conheço, para além de um estudioso e de um óptimo profissional. Um grande, enorme abraço, miúdo!

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Monogamia

No outro dia, em conversa com a F., a propósito do último filme de Woody Allen, “Vicky, Christina, Barcelona”, acordámos que o realizador nos fez pensar a problemática das relações amorosas. Concluímos (e não descobrimos nada de novo, mas soube-nos bem verbalizá-lo) que elas, as relações amorosas, bem entendido, estão votadas ao fracasso porque teimamos em torná-las monogâmicas, quando o Homem, tal como muitos outros animais, não o é. O segredo está, se calhar, na sinceridade e na capacidade de aceitar que o outro se possa apaixonar por outra pessoa. Parece que foi assim que Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre conseguiram levar por diante a sua relação, nunca duvidaram do sentimento que os unia, mas aceitaram que o outro se encantasse por outrem. Ao contrário do que possa parecer, acho que é fundamental uma grande generosidade para levar a bom porto uma ligação com estas características e fazer da verdade a grande bandeira entre ambos. Se eu seria capaz? Hum…

Citação

“Ó Ninfa, a mais fermosa do Oceano,
Já que minha presença não te agrada,
Que te custava ter-me neste engano,
Ou fosse monte, nuvem, sonho ou nada?”
Luís de Camões in Os Lusíadas

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Arejadíssimo!

Lá fomos, a F. e eu, arejar. Foi demasiado arejado visto que, ao final da tarde, estava um frio do caraças ao pé do rio e tivemos que nos abrigar. No entanto, corrigimos uma turma de testes cada uma. Fomos tão lindas!

Caganita

Ontem, lá nas barracas de vendas dos miúdos, comprei dois cartões, com um grande coração cada um e que diziam “Gosto muito de ti!”. Dei um a cada uma das minhas crias e o da mais nova destinei-o à “Caganita”. Não gostou.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Ah, die Sonne, die Sonne!

Amanhã tenho de ir dar um arejo. Tenho testes para corrigir, mas já combinei com a F. irmos para uma esplanada, à beira rio e fingir que os corrijo, a apanhar um solzinho…

Love is in the air

Hoje, lá na escola, e aposto que em todas as escolas do país, comemorou-se o Dia dos Namorados. Que é só amanhã, mas como amanhã os namorados podem não estar ao jeito, porque, se calhar, de namorados têm muito pouco, adolescentes, pré-adolescentes e adultos, em geral andaram num corrupio à volta das barraquinhas, dinamizadas pelos alunos do nono. Diziam eles que era para angariar fundos para a viagem de finalistas. Eu tenho cá para mim que é para poder seleccionar bugigangas inúteis para presentear os eleitos dos corações e aproveitar para um olhar. Com um bater de pestanas promissor, elas e de forma penetrante e exigente, eles. Até os professores e os funcionários se afadigavam a escolher por entre cartões, flores, corações, balões, pregadeiras, molduras, telas, caixinhas, caixotinhos e outros quejandos qual o melhor para presentear o seu amor. Ou não. Vai-se a ver e era só mesmo para ajudar os moços a angariar fundos.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Conversas, gestos, cheiros – I

Dou por mim a imaginar conversas, gestos, cheiros e, assim, viajo no tempo. Regresso ao passado ou alcanço o futuro, dependendo da conversa, do gesto ou do cheiro.
O cheiro a maresia oferece-me sempre a minha praia favorita. De brinde, traz os gritos das gaivotas, o marulhar das ondas, a escorrerem na areia e a frescura da água, quando eu ia tomar banho nua, lá ao fundo, desfrutando da solidão daquele pedaço de costa, que era só meu, por instantes. Não se consegue verbalizar a sensação de entrar nua, mar adentro, pertencer àquele azul, àquele sol. Às vezes, os meus primos também lá estavam e perseguíamo-nos em corridas, mergulhos e rodopios, inconscientes da perfeição de que fazíamos parte.
Nada disto já acontece. Eu e os meus primos raramente nos encontramos e, actualmente, a minha praia favorita é também a praia favorita de demasiados. E eu é raro lá ir mergulhar, nadar nua nas suas águas.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Souvenir

O meu pai trabalhou numa empresa francesa de transporte de mármores. Então, eu, desde catraia, ia com frequência à sede da firma, em Rambouillet.
Pelava-me por me perder no labirinto das pedras, cortadas em pequenos mosaicos e arrumadinhas em caixas de madeira ou em grandes placas, encostadas a uma armação de metal, com um corredor estreitinho entre elas, por onde eu marchava, corria, me escondia. Admirava-lhes os tons sarapintados ao acaso ou os seus raios, que rasgavam extensões de cores contrastantes.
Era ali que garbosos cavaleiros me vinham salvar ou que eu, guerreira intrépida enfrentava os mauzões para resgatar meninos, cidades, planetas inteiros, às vezes.
Ao fundo, do lado direito, havia uma única árvore. E como as caixas de mosaicos se encostavam debaixo dela, era fácil trepar aos seus ramos. E lá subia eu, permanecendo horas sentada numa pernada da grande nogueira, degustando nozes verdes e achando que o mundo era meu.
Ainda hoje gosto de nozes verdes.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Citação

“…nenhum sonho se pode contar. Seria preciso uma língua sonhada para que o devaneio fosse transmissível. Não há essa ponte. Um sonho só pode ser contado num outro sonho” – Luís Sepúlveda

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Cheiros

Há pessoas que são muito sensíveis aos cheiros. Incomodam-se muito com o cheiro a queimado ou deliciam-se imensamente com o aroma exalado do tacho da comida ao lume.
Eu confesso que o olfacto nem é o meu sentido mais apurado. E, agora, que a visão já não é o que era, sinto-me muito desfalcada. Bom, voltando aos cheiros, os meus preferidos são:
- a maresia;
- a relva cortada;
- a terra molhada – quando as primeiras gotas de chuva caem no chão ressequido, que começa a ensopar-se, sabe?
É claro que há outros que também me são prazenteiros, o cheiro dos morangos maduros, do pão quente, de algumas flores, do café… Só que nenhum me dá uma sensação tão agradável como os três enumerados acima.
E os seus quais são?

Corazón partió

Ainda me lembro do menino por quem eu me apaixonei a primeira vez. Devia ter eu uns seis anos e ele era vizinho da minha avó. Eram quatro irmãos, todos rapazes e chamavam-se José, Jorge, João e creio que o mais novo se chamava Jaime. Eu, filha única, achava assombroso ter-se tantos irmãos, todos do mesmo sexo e com nomes com a mesma inicial. O que chamou a minha atenção era o mais velho, o José, que devia ter uns dez ou onze anos. Não me lembro das suas feições, mas recordo que o Jorge era muito mais simpático porque brincava comigo e o José não. Eu, morrendo de vergonha cada vez que o via na rua ou na escada, baixava os olhos e agia como se a boneca ou o livro que trazia comigo precisassem de toda a minha atenção. Houve uma ocasião em que, num arraial lá na rua da minha avó, um conjunto arranhava modinhas em instrumentos roufenhos e eu rodopiei a minha saia de pregas nos braços do Jorge, mas era para o José que eu dissimulava o olhar e esperançava a próxima contra-dança.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Aniversário

Hoje, também faz anos o meu amigo G. Parabéns, rapaz! Beijo gordo.

Inflamação das vias respiratórias superiores - parte II

Estou novamente constipada! Neste momento, o meu universo resume-se a abafos, bebidas quentes com mel e fartura de lenços de papel. É certo que, assim, tenho a melhor desculpa do mundo para não corrigir os testes do 8.º C, mas também não posso ir jantar com a F. que faz anos hoje! Beijito muito grande, querida! Cruzes! Agora parecia a D. Rosete! Quando, ontem, o P. me dizia, ao telefone, que o facto de estar de novo constipada tinha a ver com a falta de resistências própria da idade, nunca imaginei que ficaria, também, com os tiques de um boneco da televisão de uma senhora idosa! Deixa-me lá, então, ir tomar um Actifed. É do melhor para quem foi contagiado por "tiques de senhora de idade".

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Rotinas II

Olhou-se no espelho mais uma vez. O que era aquilo, aquela saliência vermelha junto ao queixo?! Oh, não! Uma borbulha! Mais uma! Ainda ontem tinha espremido outra, imensa, debaixo do bigode, que começava a despontar... Assim, as “babes” vão achá-lo horrível! Tinha de se esmerar na elaboração da crista. Pegou no gel e, cuidadosamente, começou a moldar os cabelos em forma de crista. Hum, parecia que não estava bem direita... Mais um pouco de gel, mais uma ajeitadela nas melenas rebeldes e... Perfeito!
- “Babes”, cá vou eu!- murmurou, convicto.
- Ó Manel, despacha-te que o teu pai já está à tua espera e ainda tens de ir comer!- ouviu a voz esganiçada da mãe.
- Já vou! – respondeu entediado, mirando, mais uma vez a borbulha que, teimosamente, persistia em manchar-lhe o queixo voluntarioso – Já não há creme p’rás borbulhas? – gritou, revolvendo o armário da casa de banho.
- Sei lá! És tu que o usas. Eu sei lá se há creme para as borbulhas! Despacha-te, anda! – berrava a mãe, lá da cozinha.
Mais uma reviradela ao armário. Não havia mesmo creme para as borbulhas! Bolas! Decidiu voltar ao quarto, mirar-se novamente ao espelho. A imagem devolvida agradou-lhe: calças descaídas (muito descaídas, para dar estilo!), T-shirt estampada, ténis “All-star”, como convém. Bem, pareceu-lhe bem. Afinal, já era um rapagão do oitavo ano, certo do seu poder de atracção, dono de todas as verdades do mundo!
Faltava a mochila. Que disciplinas ia ter? Isso também não interessava nada! Se lhe faltassem os materiais, podia sempre colar-se às miúdas que eram generosas e colocavam ao seu dispor os seus cadernos organizados, as suas canetas com florezinhas, de muitas cores, acompanhadas de sorrisos, plenos de aparelhos dentários.
Mais um dia na escola. Se não fosse a bodega da borbulha, Manel sentir-se-ia um Cristóvão Colombo desbravando novas emoções, com as “babes”, muitas “babes”...

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Citação

“Não preciso de silêncio, já não tenho em quem pensar.” – Atahualpa Yupanki

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Texto livre

Quando alguns alunos me confessam os seus sentires nos textos livres que me entregam, sinto uma grande responsabilidade e envolvência. São quase sempre elas que me contam a alegria do primeiro beijo ou partilham comigo a felicidade do namoro inaugurado e que vai de vento em popa. É quase sempre na Primavera que estes trabalhos começam a ser mais abundantes. As borboletas coloridas das paixões esvoaçam por toda a escola e nem a aula mais dinâmica as impede de pairar por entre estes adolescentes transbordantes de “feromongas”. Os rapazes já são mais comedidos, mas, às vezes, lá me suspiram uma composição mais apaixonada pela dona do seu coração na altura. Eu vou corrigindo a pontuação e a ortografia e comento com a sintaxe correcta aqueles caminhos que os seus corações teimam em seguir. Mas nem sempre sobre amores me escrevem os meus alunos. A vida não inventou só este sentimento. Por vezes, também me relatam as suas dores por famílias desfeitas, mortes inesperadas ou maus-tratos sofridos. E aí não há sintaxe que comente com correcção. Limito-me a mostrar-lhes que assim é a vida e que eu lá estarei para eles, no que puder. E nem sempre posso o necessário…

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Incongruências IV

Bolas! Isto é difícil…

Incongruências III

E o que dizer dos homens que me quiseram e a quem eu não quis?

Incongruências II

E alguns daqueles homens que eu estava certa de querer não tinham a certeza de que me queriam.

Incongruências I

Os dois homens com quem eu tive uma relação duradoura só descobriram que não podiam viver sem mim quando eu descobri que queria viver sem eles.