terça-feira, 13 de julho de 2021

As Casas

 

Das casas dos meus avós, recordo sempre com o deslumbramento dos olhos da infância, três delas.
Da terra onde morei muito tempo, a casa da avó que permanecerá para todo o sempre é aquela cheia de corredores sinuosos e de recantos escuros, onde me escondia a brincar com as sombras. Sim, com as sombras, já que não tenho irmãos, na altura ainda não tinha primos de mãe e aquela não era casa para levar as amigas. Não interessa, um filho único nunca se aborrece e, com sombras ou não, havia sempre que fazer naquela casa, quer fosse no sótão, no terraço ou entrando de mansinho nos aposentos das minhas tias, locais sempre inalcançáveis e, por isso mesmo, tentadores. Quando os soalhos rangiam com o peso da minha curiosidade, imaginava todos os que por ali teriam andado, certamente mais atarefados do que eu, mas não tão ávidos de aventuras.
Na terra onde nasci, haverá sempre esta casa nos meus sonhos, enorme, de murais já muito desbotados, que já não é nossa, mas que foi a casa da família do meu pai durante largos anos. Foi lá que a minha querida tia-avó Maria me proporcionou os mimos do arroz doce, quente em banho-maria, porque era dele morno que eu gostava e, naquele tempo, o microondas era ficção científica; era lá que me refastelava no cama-pé de palhinha e fingia a minha soberba, em bailes imaginados e repletos de príncipes encantados, como se os houvesse... Foi lá que chorei, quando se decidiu a sua venda, quando percebi que nunca mais poderia passar por baixo do armário embutido para ir da entrada para a cozinha, nem mais podia sentar-me numa cadeirinha à lareira, mesmo dentro da chaminé, a ouvir as histórias que o meu bisavô, já cego, contava.
Na terra onde nasci, sempre que vejo a casa que era dos meus avós em ruínas, sinto a sua mágoa, deles e daquelas paredes que ouviram as gargalhadas das crianças e dos adultos, quando nos juntávamos todos, no verão. Imagino o quintalito, onde o meu avô, que cheirava a abelha, se sentava a preparar os quadros das colmeias, repleto de ervas daninhas e sei que, se eu lá for procurar bem, o meu avô ainda lá está, ou, então, teria ido ao armazém, a porta está aberta e, por isso, é que o não vejo.