sábado, 31 de janeiro de 2009

Ervas

Devia ter uns 4 ou 5 anos e ia com a minha avó levar o almoço ao meu avô, que trabalhava numa bomba de gasolina. Distava da vila um quilómetro ou dois e tínhamos de passar por vários descampados. Era uma época em que ainda não estavam os campos vedados e podia-se fruir uma flor silvestre com todos os sentidos. A minha avó, no regresso, aproveitava para apanhar ervas para cozinhar. Serviam para temperar ou para fazer sopa. Eu surpreendia-me com a sua destreza a colhê-las, a sua capacidade de as distinguir e sentia-me muito orgulhosa por poder ajudá-la a fazer os molhos que levávamos para casa. Ela, pacientemente, explicava-me as suas utilidades, a forma de as colher, os melhores métodos para as conservar e mais uma miríade de informações que, lamentavelmente, a minha tenra idade não reteve até aos dias de hoje. Quando, já adulta, quis recuperar esse conhecimento, aproveitando a avó que me tinha cabido em sorte pelo destino, já não havia campos sem vedações ou, então, já não brotavam neles as tais ervas. Ficaram apenas presas na memória das sopas deliciosas e aromáticas que a minha avó cozinhava.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Rotinas I

Era pela janela que chegava a luz, agora difusa, escassa, cheia de promessas de nuvens. Joana bem se esforçava por olhar para a professora, mas os seus olhos resvalavam sempre para a janela.
Sabia de cor as linhas dos telhados dos edifícios que rodeavam a escola. Memorizou os desenhos que os ramos das árvores, agora despidas, faziam no cinzento do céu. Quando chegasse a Primavera, as árvores haveriam de encher-se de pássaros e de folhas verdes e tenras, projectando a sua sombra, abrigando as conversas e os gritos dos alunos.
Olhou de novo para a professora que vibrava com os tempos simples dos modos verbais.
As coisas que os adultos gostam!
Ela gostava do bulício dos recreios, das enchentes nos corredores, das conversas com as amigas sobre rapazes, músicas, roupas e… rapazes… Será que os rapazes também davam às raparigas o protagonismo das conversas?
A professora teimava nas terminações dos tempos simples…
A luz da janela voltou a chamá-la. Que riscos eram aqueles no muro da frente? Apurou a vista. “Amute Karina”. Joana nem deu pelos erros ortográficos. Quem seria aquela “Karina”, que tinha direito a uma declaração pública de amor daquela dimensão? “Karina” sortuda, era o que ela era! Se calhar, àquela hora, estaria nos braços do seu amado, que não sabia escrever, mas sabia sentir daquela maneira… E ela ali, a ouvir falar de gramática, como se o seu corpo, dilacerado por um cocktail de hormonas, se satisfizesse com os tempos simples dos modos verbais!...
Ela sentiu vontade de rir, ela amou o J…
Ela sente o vento, lá fora, ela ama o P…
Ela sentirá falta dos amigos, ela amará outro…
Afinal, os tempos simples dos verbos “sentir” e “amar” são continuamente conjugados pela Joana. Ela é que não o sabe...

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Coisas de galos

Não há fartura que não dê em fome.
Da janela da minha cozinha, divirto-me a observar as deambulações da criação, no galinheiro do meu quintal. Actualmente, temos lá três galos e é curioso concluir acerca da competição que existe entre eles, para impor a sua liderança. E, assim, nem galam, nem deixam galar. Passo a explicar: sempre que algum pretende submeter uma fêmea (eles decidem qual é a pretendida e cercam-na, perseguindo-a no meio das outras, nunca se enganando!), e depois da perseguição da ordem, quando já estão quase a conseguir os seus objectivos, vem um dos outros galos, que impede a cópula. Quando há mais do que um macho, devia ser uma “rambóia” para as galinhas, porque sempre tinham parceiros diferentes. Não, andam por ali os três, a empatarem-se uns aos outros!

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Devaneio

Desejava entrelaçar os seus dedos nos cabelos dele. Imaginava-os listados de branco, de largos caracóis teimosos.
Passava a mão no seu rosto imaginado e detinha-se nos seus lábios, que decalcava com o polegar.
Precisava de reaprender as suas formas. Imaginava-as enfeitadas de rugas… Sentia-o. E, no entanto, não o tinha…

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Fruta

Tenho sempre de insistir para comerem fruta.
- Queres melão? - perguntei eu à filha mais velha.
- Não. Sabes perfeitamente que o melão me faz comichão nos ouvidos!

domingo, 25 de janeiro de 2009

Que horror!

Li, aquando da sua elaboração, cada um dos postes, duas vezes, pelo menos. Agora, ao relê-los uma vez mais, encontrei vários erros! Estou ruborescida!

O Ano do Búfalo

Começa hoje o ano chinês do Búfalo. Não sei bem porquê, mas acho que devíamos comemorar... É tão legítimo, para mim, comemorar a chegada do ano chinês como o Dia de Todos os Santos ou a Sexta-feira Santa. É certo que os dois últimos resultam melhor: são feriados.

sábado, 24 de janeiro de 2009

A Felicidade das Cabrinhas - II

Afinal, o bode veio com defeito! Como tinha "garantia", o P. lá voltou hoje para o trocar.
Aprendi com ele imenso sobre bodes! Fica prometido que, brevemente, partilharei tudo o que sei.

Sem distracções

Gostava do som da sua voz ao telefone. Era suave, intenso, pleno... Quando conversavam ao telefone, só a sua voz permanecia, não se distraía com os seus lábios ou com os seus olhos. Então, a sua voz invadia-lhe o corpo, preenchia-o, apaziguava-o...

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Generosidade

A filha mais nova tem por hábito pedir-me as minhas senhas para adquirir produtos no bar da escola. A última vez que isso aconteceu foi quando eu também lá estava, a tomar café com umas colegas, numa mesa que distava duas da de onde ela se sentava com os amigos. Quando reparei que, com a minha senha, ela tinha ido comprar um chocolate, liguei-lhe (nós temos daqueles tarifários pré-pagos que nos deixam ligar "de borla"!) e pedi-lhe uma trinca. Que não, que o chocolate era dela.
- Então, vou aí ao pé de ti, ponho-me em cima de uma cadeira e grito que tu...
- Já vou, mãe! Espera!
Estava bom, o chocolate...

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Pasme-se

Na sexta-feira, 16, telefonaram-me da escola, a avisar que tinha lá estado a GNR e que tinha deixado um "papelinho" (é mesmo - formato A5 e tudo!) a notificar-me para ir ao posto, no dia 19. Não estranhei porque, apesar de ainda não ter tido disponibilidade mental para aqui abordar o caso (também receio não ter ainda o distanciamento necessário...), sabia que teria de lá ir devido a uma "agastação" com um aluno. O dito "papelinho" referia, apenas, que devia apresentar-me no posto neste dia, sem qualquer referência a hora.
Combinei com o H., que também estivera envolvido noutra situação com o aluno em causa (e a quem também tinham ofertado um "papelinho" idêntico), irmos lá de manhã, para aproveitarmos o dia de greve para organizar umas coisas (só mesmo os profes passam o dia de greve a "organizar umas coisas"; ainda desafiei o Z. para passear, mas não deu...).
Lá chegados, o agente de serviço pegou nos nossos "papelinhos", levou-os para o outro lado do corredor e pôs-nos à frente papéis (que são os "papelinhos" já promovidos, como comprovei mais tarde). Ao lê-los, não consegui calar a minha surpresa: era uma notificação para, na qualidade de ofendida, comparecer no posto, no dia 19, às 17.30H (o H. é às 18.00H; ladies first)! Por que não estava essa hora especificada no "papelinho"? O agente informou-me que "este papel", e apontou para a notificação A4 (o tal promovido...), é que era oficial!
Percebi que não adiantaria mostrar ao agente a minha indignação. Vou fazê-lo a quem de direito, acentuando o facto de, e passo a citar: " fica advertido que caso falte e não justifique a falta no prazo legal (por motivo previsível: Com cindo dias de antecedência; por motivo imprevisível no dia e hora designados - Art.º 117, n.º 1 do C. P. Penal), fica sujeito ao pagamento de uma soma entre 2 e 10 Unidades de conta (192 Euros a 960 Euros), sem prejuízo de vir a ser ordenado a sua detenção pelo tempo indispensável à realização da diligência e, ...".
Havia mais, mas não vale a pena...

A Arte do Crime

Uma destas sextas-feiras fui ao teatro com os amigos do costume. Estava muito frio e não apetecia nada sair de casa, mas como somos tenazes e audazes e já tínhamos comprado o bilhete, lá fomos. Faltou o H., que ficou em casa, de cama, com gripe (homens!). Então, desafiámos a E. e ela lá foi connosco, para "gastar" o bilhete do outro. Estava com receio que ela achasse que eu, a L. e a F. éramos demasiado loucas, mas, aparentemente, ela divertiu-se. Fomos ver "A Arte do Crime", da Companhia Teatral do Chiado e o Emanuel Arada, o Simão Rubim e a Vanessa Agapito estão de parabéns. Presentearam-nos com interpretações magistrais! A ver.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Já agora...

Os outros nomes?
A mãe é a Bianca e os filhos mais novos (que são completamente pretos - distinguem-se pela tonalidade de verde dos olhos e pelo tamanho; o macho é maior) são o João e a Joana.

Victor/Victoria

Cá em casa temos seis gatos. A fórmula é 1+3+2 (a mãe + 3 filhos + 2 filhos) e está bem distribuído porque são três gatas e três machos. A primeira ninhada a nascer originou um bebé riscado de cinzento e branco e dois pretos, malhados de branco. Temos sempre alguma dificuldade em distinguir o sexo dos gatos, quando são recém-nascidos. Não são como os humanos, com os órgãos sexuais bem distintos, logo desde as ecografias. Assim, quando esta primeira ninhada nasceu, pareceu-nos que o riscado seria um "menino" e os outros dois "meninas". Receberam os nomes de Carlos, Diana e Camila. Era possível distingui-las através de duas pintas brancas no lombo da Diana. Presumidas as identidades, foi deixá-los crescer, por aqui.
Eu fui passar uma semana ao estrangeiro, no início de Agosto do ano passado, com uns amigos e, quando voltei, estranhei as duas "bolinhas" penduradas na zona genital da Diana. Apanhei-"a" e confirmei que era um macho! Ainda me ri com a minha filha mais nova e a minha mãe e tratámos de pensar num novo nome para o nosso gato. Quando contei a minha descoberta à filha mais velha, ela alterou-se:
- Que parvoíce! Tratam o gato como se fosse uma gata e, depois, querem que ele seja normal!
A "Diana" é, agora, o Magalhães (ou Mag, de petit nom - e não, não tem nada a ver com o computador) e é o nosso maior gato...

sábado, 17 de janeiro de 2009

Literatura

O Vítor Encarnação, que me dá o prazer indizível de ser meu amigo, enviou-me os seus dois últimos livros. O Marcado a Cal é delicioso e não sei se gostei mais de o saborear ou de quando nos rimos todos, com o Vítor a contar aquelas histórias. Já Maturação é intenso (é este o adjectivo, caro Vítor). Revi-me nele; revi as minhas filhas, a minha mãe... Ele diz na contra-capa que "as mulheres são enciclopédias, tratados, teses, teoremas. E os homens são dicionários de bolso. Só dizem coisas básicas." Concordo. Todavia eu, felizmente, conheço alguns homens que são dicionários enciclopédicos ilustrados, por vezes em formato digital.

A Felicidade das Cabrinhas

O meu colega e amigo P. (que faz anos hoje, parabéns, caríssimo!) vinha a sair da sala de professores, na quinta-feira e eu perguntei-lhe onde ia, que não ia almoçar comigo ao refeitório.
- Vais rir-te, mas vou contar. Agora, vou almoçar a casa. Depois vou a Évora buscar um bode para as minhas cabrinhas, que se andam a roçar no carneiro e não têm sorte nenhuma, coitadas... - disse-me ele, a sorrir.

Razões do coração

Sempre que estou deprimida, basta-me tomar o rumo do "meu" Alentejo e parece logo que tudo melhora! Tem é de ser o "meu" Alentejo! Se for um Alentejo dos outros, a tristeza abala um bocadinho, mas não passa. Tenho de completar a terapia com doces, o que vai provocar nova e mais acentuada depressão, após uma olhadela no espelho!
Para me sentir bem, preciso das cores da terra onde nasci, da curva do rio de águas turvas, do declive do casario exposto ao sol, a contrastar com os campos alagados dos arrozais.
Decerto, a explicação para este facto é bastante científica e prosaica, mas eu tenho cá para mim que o coração, às vezes, é muito mais forte do que a razão...

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Bicha solitária

- Ó mãe, como é que se sabe se alguém tem a bicha solitária?
- Então e porquê? - perguntei eu, esperançada que a minha filha mais velha respondesse que era a sua curiosidade de aluna universitária a manifestar-se.
- Porque eu tenho sempre fome!...

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Inflamações das vias respiratórias superiores

Não, já não estou afónica. Ainda estou rouca. É uma rouquidão que torna a minha voz "de cama", como diz uma amiga minha. Concordo. Era na caminha que eu devia ter ficado e não ter ido dar uma aula às oito e um quarto da madrugada, com os campos cheios de geada e a alma afónica! Ah, pois é! A minha afonia, quando mal curada, evapora e aloja-se-me na alma...

Anatomia

Quando ele dizia o seu nome, ficavam-lhe borboletas nos ouvidos. Não era apenas o facto dele o dizer com a sua voz; era ela ver o seu nome brincar-lhe na boca, escorrer-lhe dos lábios e aconchegá-la no coração.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Pois...

Não, a minha filha mais nova ainda não desmanchou a árvore de Natal. Suspeito que é porque não me ouve a ralhar com ela...

(Cac)Afonia

Sim, é verdade, estou completamente afónica! Bem, não é bem "completamente". Às vezes ainda consigo emitir uns silvos e uns guinchos, em tudo semelhantes às emissões de rádio feitas pelos combatentes da 2.ª guerra mundial. Mas, na verdade, o que me encanita à séria é quando as outras pessoas falam comigo utilizando o mesmo tom (ou falta dele...) de voz! Até o médico falou assim comigo! E começou por me contar a "anedota do Juca Chaves", também murmurando... Não há pachora! A cereja em cima do bolo é o comentário das minhas filhas: "Mãe, decididamente, é assim que te preferimos: caladinha!"

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Dia de Reis

Hoje é Dia de Reis. É um dia muito importante! É o dia destinado para a minha filha mais nova desfazer a árvore de Natal.

Notícias

Tá, tá, tá, rá, tá , tá, tch, tch, tá, tá (são os sons daquelas músicas de fundo dos noticiários radiofónicos e que são muito stressantes, mas cheias de ritmo...)
Bom dia!
Na primeira mensagem de 2009, o lugar às notícias:
- com honras de primeira página, informo que já nasceu a filha da minha amiga "mega-grávida"; foi no dia 3 e tanto a mãe como a filha estão de boa saúde. Parabéns às duas. Tenho esperança que o pai já lhe apeteça sê-lo. Percebo o rapaz. A sério! Apesar da minha censura anterior, admito que não deve ser nada fácil ter de ser pai sem o querer. Nem consigo imaginar alguém a "ter" um filho meu, contra a minha vontade...
- julgava-me imune aos bicharocos que andam por aí, de gripes e outras inflamações que tais. A imagem que via no espelho era semelhante à da Catwoman: de negro vestida, com umas nails e uns olhos felinos; mais roliça, é certo (para que comeste tu tanto, mulher?!) - muito mais roliça, Deus meu! - mas saudável e galhofando dos desgraçados de nariz vermelho e que se queixam de dores no corpo... Mas não. Não estou mesmo nada imune. Estou afónica. E com tosse. E com dores no corpo. E...