terça-feira, 25 de junho de 2013

Incongruências

A minha avó paterna suicidou-se. Já lá vai muito tempo, mas, por mais anos que passem, não deixa de me impressionar o facto de ela ter feito um esforço sobre-humano para se deitar ao rio. Estava quase cega,  quase não se levantava da cama e, no entanto, arrastou-se no frio daquele crepúsculo de inverno até à margem do rio, cama onde se deitou para sempre.
Foi profundamente infeliz, esta minha avó. O seu marido, e meu avô, encarou aquela união como... Não consigo definir a sua relação. Ele não lhe falava, nunca o vi ter para com ela um gesto de carinho, não lhe dava dinheiro (éramos nós, netos e filhos, que o convencíamos a pagar-lhe uns óculos novos, uma consulta de especialidade, por exemplo) e, todavia, ela tinha o cuidado de colocar sempre, no seu lugar da mesa, o garfo de que ele gostava e aquele homem era o seu tema de conversa favorito.
Nunca entendi esta relação.
Assim como nunca entendi o facto de ele ter ensandecido depois da sua morte, esperando pela sua chegada, falando dela com uma necessidade urgente que nunca teve enquanto ela viveu. 

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