segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Não devia de ser assim

 


Acompanhei a minha mãe na doença, durante toda a minha vida. Dei conta da deformação dos seus ossos; de como se refugiava na comida, seu único consolo, por vezes; de como se amava cada vez menos, se cuidava cada vez menos e, por isso, se tornou infeliz e amarga, enquanto nos hostilizava e parecia que culpava por termos saúde. A quem mais poderia ela mostrar o seu desalento?

Porque já estava em casa, o meu pai assumiu, também, os seus cuidados e, com mais ou menos empenho , mais ou menos energia, velava pelo seu conforto.

A minha mãe precisa descansar, já partiu e, agora, o meu pai já não cuida dela, é um velhinho acabado, curvado e que caminha com passinhos hesitantes, consequência da doença de Parkinson que o atormenta há anos.

Ter por perto os pais, durante a maior parte da nossa vida, é um privilégio. Mas só quando não os vemos perder faculdades e ganhar comorbidades, atirando-nos a consciência da sua/nossa finitude e da nossa impotência para os poupar.

Dantes, da janela, olhava o meu pai a trabalhar na horta e a ternura e já a saudade faziam-me sorrir. Hoje, não há horta sequer, há somente um pai com muitas limitações, triste e envergonhado com a sua decrepitude. 

Então, à felicidade da sua companhia, junta-se a tristeza e a impotência para o poder salvar da doença, do desânimo, da dependência. 


terça-feira, 4 de novembro de 2025

Transportes públicos II

 

foto retirada da Internet


Ainda nessas viagens de comboio, olhar em volta e ver a panóplia de pessoas com quem me ia cruzando (ou será que eram eles que se cruzavam comigo?), fez-me recordar e refletir sobre tantas coisas!...

Ouviam-se diversas línguas, em vários tons; os semblantes eram vários e alguns espelhavam, claramente, os motivos da viagem: descontraído, de quem ía em lazer; apreensivo e/ou preocupado, de quem supus que fosse trabalhar ou, pelo menos, desempenhar uma missão menos prazerosa.

Fiquei muito tempo perdida no bebé que estava à minha frente, sentado no carrinho e que viajava com os pais. Teria um ano, se tanto, e os seus grandes olhos azuis e boquinha de botão de rosa puseram-me a conjeturar, longamente, se era menino ou menina. Fez-me lembrar as minhas filhas (e só por isso já valeu a pena encontrá-lo naquele comboio!) e revivi aquelas duas meninas, tão minhas e tão diferentes em tudo. Os pais do bebé, tal como a maioria dos passageiros, também observavam com atenção um telemóvel e, de quando em vez, brincavam com o filho, que lhes sorria satisfeito. 

Deixem o telemóvel! Brinquem com o vosso filho lindo! O tempo voa e ele nunca mais é bebé! - apeteceu-me dizer-lhes. Mas não disse. E eles regressavam sempre ao telemóvel.

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Transportes públicos I

 

foto retirada da Internet

Raramente utilizo os transportes públicos. Infelizmente, não há transportes no local onde moro e uso o carro dia-a-dia. Infelizmente, porque os transportes públicos tratam melhor este nosso planeta doente e são mais económicos.

Todavia, não é para elencar os benefícios dos transportes públicos que vos quero falar. Andei de comboio há dias e que delícia que foi! Perdi-me a olhar pela janela, relacionando a paisagem da minha juventude com a atual, li o novo livro que me ofereceu o talentoso Vítor Encarnação e, se não o melhor, pelo menos das coisas mais interessantes: observei os outros passageiros. 

Numa carruagem inteira e quase cheia, era preocupante confirmar que quase todos tinham o telemóvel na mão e,  ou faziam scroll,  ou estavam concentrados a olhar para ele; alguns falavam alto, de auscultadores nas orelhas, mas sempre, sempre com o telemóvel na mão. Mesmo os que viajavam acompanhados! Os poucos que, tal como eu, não estavam a usar o telemóvel, ou eram da minha idade ou mais velhos.

A informação chega-nos a uma velocidade devoradora e o perigo é que não consigamos filtrá-la e selecionar o que realmente pode ser importante ou necessário.

Estamos a perder o deslumbramento que o olhar nos pode proporcionar, assim como a satisfação de uma conversa e o consequente prazer que estas atividades proporcionam a nós humanos, seres sociais.

É pena. É mau. É perigoso.


 


sábado, 1 de novembro de 2025

Pequenos grandes, enormes prazeres

 

Passar um serão à conversa com Dulce Maria Cardoso, sobre livros, vidas, foi das melhores coisas que me aconteceram nos últimos tempos.

Esta senhora de uma simplicidade ímpar, de uma capacidade de comunicação absolutamente cativante partilhou conosco as infâncias (temos a mesma idade!), de como era o nosso país antes do 25 de Abril, das conquistas que as mulheres ganharam a pulso, falou-se de muito e foi tão bom!

Aproveitei, claro, para lhe pedir que autografasse os meus quatro livros e assim se registou, também, este momento tão lindo!

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Vestir a camisola

 

(imagem retirada da Internet)


Tenho sempre muito respeito por quem "veste a camisola". 

Nas missões que assumimos na vida, "vestir a camisola" é fundamental. Se não estamos disponíveis para realizar uma tarefa, assumir uma função ou um cargo, não nos devemos comprometer. Tudo fica mais bem feito e é um gosto, quando damos o nosso melhor, seja pessoal e/ou profissionalmente.

Ao longo da minha já comprida vida, tenho encontrado de tudo: gente esforçada, mas sem as competências essenciais; gente que se está nas tintas e, por isso mesmo, sem oportunidade de demonstrar qualidades e ou valores; gente boa e empenhada, que prioriza sempre dar o seu melhor e que tudo faz com o coração.

Não temos todos de ser perfeitos e talentosos em tudo na vida, devemos, sim, tentar fazer o melhor que sabemos e podemos, ou que nos parece o melhor.

Não é fácil. Mas também não é difícil!

terça-feira, 21 de outubro de 2025

Com sentido

 


Há coisas que fazem todo o sentido.

No passado dia 17 de outubro, juntaram-se um punhado de /colegas/amigos e a família próxima e celebrámos o talento e a saudade do professor Humberto Oliveira, meu colega e amigo, falecido em agosto de 2020.

Nas nossas conversas tontas, tínhamos prometido um ao outro ler o "Cântico Negro", de José Régio nos nossos funerais. Por mais absurdo que isso pareça, não me foi possível concretizar essa promessa,  devido à crise pandémica que nos assolou. Então, com o apoio inestimável da diretora do meu agrupamento de escolas, nesta singela homenagem, atribuímos o seu nome à Biblioteca Escolar (BE) da escola sede, local onde ele trabalhou, nos últimos anos de vida e onde foi feliz.

Fez todo o sentido recordá-lo em algumas fotos, recolher os seus trabalhos na BE, receber os seus familiares e, finalmente, entre lágrimas, ler, com voz embargada, o nosso poema preferido, o "Cântico Negro". 

Fez todo o sentido!...

terça-feira, 14 de outubro de 2025

Foi um gosto!


 

Fui eleita para a Assembleia Municipal de Benavente por 5 mandatos, o que perfaz 20  anos ao serviço do município.  Conheci gente muito boa de todos os quadrantes políticos, excelentes autarcas, não estando já alguns entre nós, lamentavelmente.

Terminei funções, na última assembleia do mandato, a 29 de setembro de 2025. Considero que dei o meu contributo para a cidadania ativa, sendo exemplo para as minhas filhas.

As eleições autárquicas já decorreram e outros desempenharão funções de acompanhamento e fiscalização do executivo municipal, trabalhando para melhorar esta terra em que vivemos. 

É importante participar no que a democracia nos proporciona: intervir civicamente nas nossas comunidades, seja de uma forma mais ativa - nos executivos da câmara e/ou da junta, seja de modo mais atento - nas assembleias municipais e/ou de freguesia. 

A política autárquica nada tem a ver com a política nacional e deve ser executada para além da matriz de cada partido. Afinal, tudo o que se faz, se sugere, se discute é destinado a todos nós diretamente e vai ter repercussões na nossa localidade, na nossa rua.

É urgente e necessário que os nossos jovens percebam a necessidade  de serem agentes ativos na sua comunidade e que se interessem pelo funcionamento das instituições que, em primeira instância, nos regem. 

É desejável que os autarcas que brevemente iniciarão funções se foquem no bem comum e não valorizem tanto os "seus quintais". O voto foi muito fracionado e só com o contributo de todas as fações se poderá chegar ao equilíbrio que o povo do concelho de Benavente deseja. 

Bom trabalho! 

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Velhice

Viver com um idoso deveria ser obrigatório para todos os humanos. É preciso ter consciência do que nos espera mal nascemos e em que só cremos lá muito à frente na vida. 

Acompanhar o crescimento da velhice e perceber o desânimo de quem tem consciência da perda das suas faculdades é uma tarefa hercúlea, desmotivante e impactante, especialmente se o velho é o nosso pai.

Tive também a oportunidade de acompanhar a minha mãe na doença, o que não foi fácil. 

Tenho quase 61 anos e vejo a minha velhice lá ao fundo, à espreita, a esfregar as mãozinhas ossudas e de risinho maléfico, pronta a amedrontar qualquer um.

Não me apetecia muito aumentar as maleitas, nem depender de ninguém para sobreviver. Todavia, será esse, certamente, o meu destino, como o de todos os idosos que conheço. E isso é assustador!

Até lá, vou aproveitando os momentos bons com o meu pai e reclamando do que nele me agasta, porque também isso é amor. 


quarta-feira, 30 de julho de 2025

"Casamento" feliz

 


A parceria entre mim e a biblioteca municipal tem muitos anos já.
Começou quando eu, enquanto professora de português, achei importante implementar visitas sistemáticas à biblioteca, primeiro nas aulas de Estudo Acompanhado, depois nas aulas de Língua Portuguesa. Desafiei os meus colegas de 3.º ciclo e todos alinharam sempre. A autarquia começou por premiar os melhores leitores, ou seja, os miúdos que mais livros da biblioteca requisitavam, na atividade Roteiros na Biblioteca, ou fora dela.
Depois, aliamos a articulação entre as disciplinas de Português e Educação Visual, ilustrando as obras estudadas e continuando com as visitas sistemáticas à Biblioteca Municipal. O prémio é sempre o passeio que a Câmara Municipal de Benavente oferece aos trabalhos mais criativos, expondo-os, todos os anos, por lá.
Fica o testemunho de uma das primeiras visitas, ao Badoka Park. A primeira de todas foi a Coimbra, à Mata de Vale de Canas. Mas fomos ao Zoo Marine, à Praia das Rocas, a Sesimbra numa viagem de barco com o casco transparente...
Atualmente, vistamos sempre uma biblioteca municipal noutra localidade e, depois, vamos à praia. Os nossos alunos adoram, compreendem melhor a importância das bibliotecas municipais e veem o fruto do seu trabalho recompensado.
Este é um "casamento" duradouro e feliz! 



segunda-feira, 28 de julho de 2025

Obrigada!

 





A terra continua a girar, vivemos em paz e podemos ir à praia, apesar do vento, se nos apetecer.

Ah e tal, hoje estou mais triste, mais agastada com a vida, bora lá irritar-me com o trânsito, chamar nomes ao homenzinho petulante que passou à nossa frente na fila da caixa de supermercado e achar o vizinho ainda mais parvo por não ralhar com o cão que ladra continuamente e a desoras!...

É nestes momentos que olho à minha volta e reflito sobre o número exagerado de pessoas que conheço e a quem foi diagnosticada uma doença grave, outras que já não estão entre nós e como tudo é relativo.

Apesar do aumento das dores no esqueleto e da minha capacidade de trabalho estar mais reduzida, a vida ainda é muito bonita e estou muito grata por tudo o que me foi oferecido pelo universo, até à data.

Obrigada!



terça-feira, 12 de novembro de 2024

Coisas pequeninas

 

Um céu rosado ao final do dia.

O cheiro a terra molhada no início de um aguaceiro.

Uma gargalhada vinda do fundo de nós.

O sabor de uma ameixa sumarenta a escorrer pelos lábios ávidos de magia e de cor.

O trautear daquela música dos nossos anos primeiros, que passa na rádio, quando estamos a conduzir.

O sorriso da nossa criança preferida, seja ela qual for, num momento qualquer.

Os dedidnhos do nosso neto.

São também estas coisas pequeninas que nos fazem felizes e ajudam a preencher os nossos dias.   

quarta-feira, 26 de junho de 2024

Despedidas que fazem falta

 





Saudade é usar expressões que só tu usavas; é sorrir com alguma lembrança terna; é deixar de sorrir quando te recordo enfermo e a sofrer.
Quase 4 anos sem ti parecem-me mentira. Quando partiste, os funerais eram à pressa e não se permitiam despedidas.
Acho que nunca me despedi. E isso faz-me tanta falta como tu.