A vã excitação da poesia
Podiam vir as moças todas que ele tinha palavras para elas. E elas vinham assombrosas, etéreas, sonhadas, desejadas. Vinham com o cheiro dos outros, as línguas dos outros, as mãos dos outros, os braços dos outros. E elas vinham com mel nos ouvidos, marcas no pescoço, marmelada na boca, anéis oferecidos nos dedos. E vinham dos colos, vinham dos abraços, vinham de trás da escola.
E quando elas chegavam, ele dava-lhes palavras, e elas gostavam muito das suas palavras, elas gostavam tanto que ele lhes desse palavras.
E ele, tonto, sabia tantas e tinha tantas para dar.
Era um bobo dizendo frases. Um malabarista de adjetivos. A letra de um fado. Uma cruz aos ombros. Um falsificador de amores de perdição. Era um canário cantando para os donos da gaiola. E as moças adoravam ouvir falar aquele pássaro preso, faziam-lhe festas no bico, afagavam-lhe as penas, mudavam- -lhe a água e depois, saciadas de palavras e da excitação da poesia, voltavam para as línguas dos outros atrás da escola.
E ele escolhia uma moça. Escolhia sempre a mais bela. Sem colo de carne ou mãos onde a pusesse, ela era feita de papel e todas as noites ele apenas lhe tocava com uma caneta de tinta de luto permanente.
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