domingo, 31 de janeiro de 2021

Here comes the sun

 Vivemos tempos desafiantes e semelhantes aos de uma catástrofe natural. Já morreu muita gente, já não temos connosco familiares, amigos, conhecidos. São muitos milhares de mortos e a desorientação dos vivos não ajuda a mitigar os estragos desta pandemia. Aliadas do medo, temos a revolta, a inquietação e o ser humano está a perder, a uma velocidade estonteante, as características que nos distinguiam dos animais. 

Que vida é esta para os idosos? Eu vejo o meu pai, receoso, fechado e sem conviver com os seus amigos, também eles já idosos, como sempre fez, depois do desgaste de cuidar da minha mãe doente e do desgosto da sua perda.

Que vida é esta para as crianças? Os parques infantis estão interditos; não podem brincar com os amigos, jogar à bola, brigar, abraçar... 

Que vida é esta para os jovens? Época da vida em que se descobre o amor, se integra num grupo, se vai a festas, se faz disparates, se distinguem e interiorizam os valores...

O mundo, como o conhecíamos, não voltará. Pelo menos, enquanto eu viver. 

Mas o planeta cá estará. Connosco ou sem "nosco", com valores diferentes e formas de (sobre)viver diferentes. Se o Homem não conseguir destruí-lo, o mundo continuará a girar sobre si próprio, o sol continuará a nascer e a iluminar o nosso dia.

                                     Imagem Pinterest



quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Água

 Há já alguns anos, dava apoio a um conjunto de alunos de várias nacionalidades. Havia um chinês, um venezuelano, uma ucraniana e uma moldava, se a memória não me falha. Nos 5 minutos sobrantes da aula, propus que partilhassem algumas palavras nas suas línguas maternas; por exemplo "água". Todos pronunciaram e escreveram no quadro a água dos seus países e, quando chegou a vez do Y. M., o brilhante aluno chinês que sabia mais gramática portuguesa do que os seus colegas portugueses (eu aproveitava para dizer à turma dele que era muito feliz por ter um aluno chinês que soubesse sempre responder às minhas questões de gramática!...), ouço-o perguntar:

- E a "setora" quer saber que "água"? A água da chuva, a água do rio, a água do mar, a água que bebemos, a água que corre... Que água quer, setora?

Nunca mais me esqueci da complexidade do mandarim, nem da grande verdade da inocente pergunta do meu brilhante Y.M....

A "água" é distinta. Sendo vida, ela é, também, frescura, saciedade, tranquilidade, turbulência, brilho, obstáculo... Mas ainda bem!

                                            Foto: Pinterest


   


segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Relatividade

 É claro que a Humanidade já passou por fases muito mais graves. Certamente que há países em que viver em pandemia se torna mais complicado do que neste nosso retângulo lusitano. Claro que sei que, em Portugal, há milhares de pessoas que enfrentam situações muito mais complicadas e difíceis do que as que estou a viver! Sim, tento sempre ver o copo meio cheio e consigo, quase sempre, vislumbrar a bondade das coisas. Torna-se difícil fazê-lo diariamente, a toda hora e é o que tenho de fazer desde 13 de março de 2020. Hoje, como ontem. Todos os dias. 

  

domingo, 24 de janeiro de 2021

A vida é como as bananas

Para além das notícias diárias agastantes do país, do mundo, em geral, é raro o dia em que não sei de alguém que está doente ou que partiu. E, nestes tempos estranhos e maus, a nossa ansiedade oscila entre o medo e a revolta, presentes no nosso quotidiano, ofuscando a nossa liberdade, o livre arbítrio que nos guiava por entre as veredas da vida.

Agora, a desconfiança e o desagrado oprimem cada uma das nossas decisões, como se isso fosse normal, o tal "novo normal", que mais não é que a anormalidade em que sobrevivemos.

Preocupa-me o mundo em que as minhas filhas viverão; entristece-me esta vida que o meu pai leva, agora, depois de mais de oitenta anos por cá, cheios de genica, de objetivos. Vejo-os perdidos, entristecidos e eu, que sempre cuidei de gente, aflige-me não poder descuidar deles...

E o que mais me dói é a incerteza da próxima hora! Gostava de ir ver o mar...




domingo, 10 de janeiro de 2021

Não, não gosto deste mundo

Há pouco, fui levar a filha mais nova ao autocarro.

Vi 2 pessoas a correr, separadamente, e 2 a caminhar, lado a lado, com máscara. Os carros eram 2 ou 3, numa pressa. Ninguém se assomou à janela.

Depois, depois vi ruas vazias, portas fechadas, grades de lojas corridas. Vi silêncio e vi desalento. Vi a minha cidade no presente e deixei-a escorrer inteira numa lágrima teimosa.

Não gosto deste mundo!

                                             Imagem: Anton Petrus/Getty Images



 

domingo, 3 de janeiro de 2021

2021

 Cá está o novo ano, fresquinho e lavado pela chuva, neste inverno das nossas vidas.

Muita gente tem muita esperança neste ano que acabou de chegar. Eu não.  Não tem a ver com o grau de infelicidade que envolve o mundo e que nos amarra à necessidade de manter a distância, que nos cerceou o toque, que nos impede de ver sorrisos. Sendo certo que as nossas vidas estão diferentes e menos boas, não nos podemos esquecer que a humanidade já passou por muito pior. Nós temos conforto, temos saúde, temos as nossas necessidades básicas asseguradas...

Passei/passámos por desgostos e contratempos que nos sugaram a alma, mas, olhando em volta, temos tanto! Ainda. 

Rejubilemos, pois, e sejamos gratos, não colocando o ónus em ano nenhum, seja ele velho ou novo.