sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Rotinas II

Olhou-se no espelho mais uma vez. O que era aquilo, aquela saliência vermelha junto ao queixo?! Oh, não! Uma borbulha! Mais uma! Ainda ontem tinha espremido outra, imensa, debaixo do bigode, que começava a despontar... Assim, as “babes” vão achá-lo horrível! Tinha de se esmerar na elaboração da crista. Pegou no gel e, cuidadosamente, começou a moldar os cabelos em forma de crista. Hum, parecia que não estava bem direita... Mais um pouco de gel, mais uma ajeitadela nas melenas rebeldes e... Perfeito!
- “Babes”, cá vou eu!- murmurou, convicto.
- Ó Manel, despacha-te que o teu pai já está à tua espera e ainda tens de ir comer!- ouviu a voz esganiçada da mãe.
- Já vou! – respondeu entediado, mirando, mais uma vez a borbulha que, teimosamente, persistia em manchar-lhe o queixo voluntarioso – Já não há creme p’rás borbulhas? – gritou, revolvendo o armário da casa de banho.
- Sei lá! És tu que o usas. Eu sei lá se há creme para as borbulhas! Despacha-te, anda! – berrava a mãe, lá da cozinha.
Mais uma reviradela ao armário. Não havia mesmo creme para as borbulhas! Bolas! Decidiu voltar ao quarto, mirar-se novamente ao espelho. A imagem devolvida agradou-lhe: calças descaídas (muito descaídas, para dar estilo!), T-shirt estampada, ténis “All-star”, como convém. Bem, pareceu-lhe bem. Afinal, já era um rapagão do oitavo ano, certo do seu poder de atracção, dono de todas as verdades do mundo!
Faltava a mochila. Que disciplinas ia ter? Isso também não interessava nada! Se lhe faltassem os materiais, podia sempre colar-se às miúdas que eram generosas e colocavam ao seu dispor os seus cadernos organizados, as suas canetas com florezinhas, de muitas cores, acompanhadas de sorrisos, plenos de aparelhos dentários.
Mais um dia na escola. Se não fosse a bodega da borbulha, Manel sentir-se-ia um Cristóvão Colombo desbravando novas emoções, com as “babes”, muitas “babes”...

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